Governo quer limitar ação sindical em empresas onde não há trabalhadores sindicalizados

É mais uma medida da Agenda do Trabalho Digno que o Governo quer rever, propondo que, afinal, sindicatos só possam convocar reuniões em empresas sem sindicalizados fora do horário de trabalho.

O Governo quer introduzir novos limites à atuação dos sindicatos nas empresas nas quais não há trabalhadores sindicalizados. Propõe, por exemplo, que as reuniões convocadas pelas estruturas, nesses casos, só possam acontecer fora do horário de trabalho e que a afixação de informação fique dependente de solicitação ao empregador.

Há muito que o Código do Trabalho determina que os trabalhadores e os sindicatos têm “direito a desenvolver atividade sindical na empresa”. Mas havia uma discussão antiga sobre os casos em que não há delegados sindicais na empresa, até que, em 2023, com a entrada em vigor da Agenda do Trabalho Digno (promovida pelo último Governo de António Costa), a dúvida foi esclarecida (na altura, com o voto contra do PSD).

Desde então, a lei dita que os direitos relacionados com reuniões no local de trabalho, utilização das instalações e afixação de informações sindicais aplicam-se “igualmente a empresas onde não existam trabalhadores filiados em associações sindicais“, com as “necessárias adaptações”.

Menos de dois anos depois dessa alteração ao Código do Trabalho, o Governo (agora liderado por Luís Montenegro) quer, no entanto, avançar com novas mudanças nessa norma, no âmbito de uma revisão mais ampla da legislação laboral.

No anteprojeto aprovado em Conselho de Ministros e apresentado em Concertação Social, o Governo propõe a revogação do número dois do artigo 460.º do Código do Trabalho, ou seja, elimina a norma que indica que os referidos direitos são aplicados mesmo em empresas sem sindicalizados.

Ainda assim, introduz alterações nos artigos seguintes, que garantem que os sindicatos continuarão a poder entrar nessas empresas, embora com restrições acrescidas.

No caso das reuniões de trabalhadores no local de trabalho, hoje os sindicatos podem convocar encontros tanto durante o horário de trabalho da generalidade dos trabalhadores (até um período máximo de 15 horas por ano e desde que seja assegurado o funcionamento de serviços de natureza urgente e essencial) ou fora do horário de trabalho (desde que não prejudiquem o normal funcionamento dos turnos e trabalho suplementar).

É obrigatório que o sindicato notifique o empregador com, pelo menos, 48 horas de antecedência, indicando a data, hora, número previsto de participantes e o local em que se pretende que a reunião aconteça.

A proposta do Governo estabelece, porém, que, nas pequenas, médias e grandes empresas sem trabalhadores sindicalizados, os sindicatos só podem convocar reuniões fora do horário de trabalho e “desde que o âmbito subjetivo, objetivo e geográfico da associação sindical abranja os trabalhadores da empresa”. Ficam de fora, assim, as microempresas.

Por outro lado, no que diz respeito à afixação e distribuição de informação sindical, hoje está previsto que o delegado sindical tem direito a fazê-lo nas instalações da empresa e em “local apropriado disponibilizado pelo empregador”.

Neste caso, o Governo propõe que, nas empresas onde não existam trabalhadores sindicalizados, as associações sindicais “cujo âmbito subjetivo, objetivo e geográfico abranja os trabalhadores da empresa” possam solicitar ao empregador que afixe ou permita a afixação a informação em causa. Ou seja, os sindicatos perdem a possibilidade de o fazer de forma autónoma.

Já quanto ao direito à utilização das instalações da empresa, neste momento, o Código do Trabalho indica que o empregador deve “pôr à disposição dos delegados sindicais que o requeiram um local apropriado ao exercício das suas funções, no interior da empresa ou na proximidade, disponibilizado a título permanente em empresa ou estabelecimento com 150 ou mais trabalhadores”.

Esse direito serve hoje tanto para as empresas com trabalhadores sindicalizados, como para as que não têm empregados nessa situação. Ao contrário do direito de reunião e de afixação — que o Governo pretende adaptar às empresas sem sindicalizados –, neste caso a proposta passa apenas pela retirada deste direito, nas situações em que não há trabalhadores sindicalizados.

“Perspetiva-se, assim, o desaparecimento do direito dos sindicatos às instalações destas empresas [sem trabalhadores sindicalizados]”, assinala a Madalena Caldeira, sócia responsável pelo departamento de Direito do Trabalho do escritório de Lisboa da Gómez-Acebo & Pombo.

“A não alteração do art. 464º do CT tem como consequência que, nas empresas em que não existam trabalhadores filiados, o empregador não está obrigado a disponibilizar instalações para as reuniões sindicais“, concorda Luís Couto, sócio da SPCB Legal.

Perante estas mudanças, a advogada Madalena Caldeira sublinha, então, que a revogação do referido número dois do artigo 460.º representa “uma limitação significativa à atuação sindical“, nestas empresas.

No entanto, a mesma alerta que o Código do Trabalho, como está, estava a gerar alguma incerteza jurídica. “O regime vigente procurou responder à reduzida taxa de sindicalização, permitindo que os sindicatos pudessem desenvolver ações em empresas sem trabalhadores sindicalizados, com vista à captação de novos filiados. Contudo, a redação do n.º 2 do artigo 460.º revelou-se ambígua, originando incerteza jurídica tanto para as associações sindicais como para os empregadores“, afirma.

Já o anteprojeto, apesar de restringir os direitos, vem também clarificar a sua aplicação, tentando contribuir para “mitigar potenciais conflitos e reforçar a proporcionalidade e a segurança jurídica na interpretação e aplicação da lei“, entende a advogada.

No mesmo sentido, o advogado Pedro da Quitéria Faria, sócio da Antas da Cunha Ecija, salienta que “os direitos de liberdade e exercício da atividade sindical podem e devem ser respeitados, mas não sempre e somente a expensas do empregador”.

“[Com este anteprojeto,] introduz-se um enquadramento mais equilibrado entre a prossecução desse direito e a salvaguarda da organização produtiva e ao seu regular funcionamento e da competitividade empresaria”, defende.

Sindicatos criticam. Patrões (ainda) em silêncio
Quanto voltar a sentar-se à mesa com as confederações empresariais e as centrais sindicais, em setembro, a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, ouvirá muitas e duras críticas por parte dos representantes dos trabalhadores quanto às suas propostas de reforma da lei do trabalho, nomeadamente no que diz respeito à atuação sindical em empresas sem trabalhadores sindicalizados.

Para já, em declarações ao ECO, Carlos Alves, secretário-executivo da UGT, atira que está em causa “um retrocesso significativo“.

“A Agenda do Trabalho Digno, independentemente da necessidade de aperfeiçoamento, veio esclarecer de forma indubitável o pleno alcance do direito constitucional à ação sindical na empresa, mesmo nas empresas sem trabalhadores sindicalizados. Com as alterações propostas, o Governo, sem fundamento, sem avaliação, reduz a atuação dos sindicatos à realização de reuniões fora do horário de trabalho e a afixação de informação“, argumenta o sindicalista.

E continua: “revela-se não apenas um desconhecimento do que é o verdadeiro papel dos sindicatos e da sua relevância, mas sobretudo uma visão pela qual os sindicatos constituem um entrave ao funcionamento das empresas, o que é inaceitável“.

De resto, de modo global, o secretário-executivo da UGT frisa que o anteprojeto apresentado pelo Governo pretende “reforçar o desequilíbrio de poderes entre empregador e trabalhador“.

Também a CGTP não poupa críticas a este pacote de alterações. No que diz respeito à atuação sindical em empresas sem sindicalizados, a dirigente Ana Pires alerta que o que está em cima da mesa é “um ataque a um direito fundamental e uma tentativa de limitação“. “É profundamente inaceitável“, afirma.

Face a esta proposta (e às demais previstas no referido anteprojeto), Ana Pires assegura que a CGTP participará nas discussões, mas antecipa que “só com a luta dos trabalhadores” este pacote andará para trás. “Estamos a mobilizar os trabalhadores para a luta que for necessária travar. Estamos a fazer o nosso trabalho nos locais de trabalho”, adianta, detalhando que, para já, não há manifestações e greves agendadas, mas tal pode vir a acontecer, admite.

O ECO questionou também as quatro confederações empresariais que têm assento na comissão permanente da Concertação Social. Só a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) enviou um comentário.

“A questão que suscita é muito concreta e terá que ser ponderada em conjunto com as demais medidas apresentadas pelo Governo. Neste momento, a CAP gostaria de concluir a análise global às propostas do Governo antes de fazer comentários sobre medidas específicas. Assim que concluir essa análise terá oportunidade de comentar esta e outras medidas constantes do pacote apresentado pelo Governo”, explicou o secretário-geral, Luís Mira.

Fonte: Eco
Foto: António Pedro Santos/LUSA