Maioria das suspeitas de corrupção que chegam ao MENAC são arquivadas

De acordo com o Relatório Anual de Atividades de 2024 do MENAC, já enviado para o Ministério da Justiça e Assembleia da República, os 405 arquivamentos estão “alinhados com as tendências”.

Das 504 denúncias de corrupção comunicadas ao Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) em 2024, 80% são arquivadas, revelando “dificuldades em investigar e o peso das denúncias anónimas”.

De acordo com os dados do Relatório Anual de Atividades de 2024 do MENAC, já enviado para o Ministério da Justiça e a Assembleia da República, os 405 arquivamentos estão “alinhados com as tendências” neste tipo de criminalidade, de “investigação particularmente complexa e difícil” e praticada por pessoas de “grande racionalidade e frieza”, que coloca “grandes cuidados na dissimulação dos seus atos e na ocultação ou destruição das provas” para evitar o sucesso de uma investigação.

“Não podem deixar de se incluir igualmente, nesta explicação para a tendência de arquivamento, algumas situações de denúncias, nomeadamente anónimas, que na realidade não se associam à ocorrência de qualquer crime, na medida em que têm unicamente o propósito de “incomodar”, por colocar sob suspeita, nomes de pessoas relativamente às quais existem outros diferendos, ou por meras inimizades, ou ainda por motivos tão fúteis como a inveja ou em circunstâncias de concorrência política ou contratual”, aponta ainda o relatório.

De acordo com este balanço, das 152 denúncias recebidas no ano passado, 118 diziam respeito a entidades públicas e 34 a entidades privadas. Dessas, apenas 19 denúncias foram encaminhadas para a PGR “por indícios de ilicitude criminal”, 66 foram encaminhadas para a entidade administrativa competente por ser apenas matéria contraordenacional e 67 foram arquivadas.

Nas decisões judiciais que são comunicadas ao MENAC, corrupção (34,3%), peculato (16,7%), prevaricação (12,7%), abuso de poder (10,5%), participação económica em negócio (8,9%), branqueamento (7,3%) são os principais tipos de crime associados aos processos.

Quanto a entidades associadas, a maioria (85%) das decisões diz respeito a autarquias e entidades municipais (261), mas na administração central, associada a 117 processos, 47 dizem respeito a forças e serviços de segurança, 14 à área da saúde, 11 à gestão patrimonial e de recursos, educação e área tributária têm nove casos cada e a área da justiça regista seis decisões judiciais.

O relatório destaca ainda que os procedimentos iniciados com base em denúncias anónimas “parecem tender fortemente para decisões finais de arquivamento”, por serem “geradoras de menor eficácia para o sucesso na recolha de elementos de prova dos crimes denunciados”, conclusão que o MENAC também retira para denúncias de autor identificado.

“Esta verificação, sobretudo para as situações de anonimato, pode explicar-se muito simplesmente pelo facto de as denúncias se apresentarem vagas ou muito escassas quanto a indicações concretas sobre a localização de elementos de probatórios ou, pelo menos, de linhas de pesquisa que permitam chegar a esses elementos”, lê-se no relatório.

O relatório identifica ainda como principais áreas de risco para a prática destes crimes, tendo em conta os processos com matéria probatória, “a decisão administrativa, o exercício de funções públicas delegadas, a gestão financeira e tesouraria, a gestão patrimonial e a contratação pública”.

“Os fatores de risco que mais lhes estão associados compreendem o deficiente controlo sobre: o exercício de poderes discricionários, o exercício de funções públicas delegadas, conflitos de interesses, e gestão de bens materiais e financeiros das entidades”, acrescenta-se.

O Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) é uma entidade administrativa independente, criada em 2021, e que tem por missão a promoção da transparência e da integridade na ação pública e de fiscalização das políticas de prevenção da corrupção e crimes económicos conexos (como lavagem de dinheiro, peculato, abuso de poder, entre outros). Tem como objetivo garantir que as políticas de prevenção da corrupção sejam eficazes.

Alterações ao MENAC: a grande aposta de Rita Júdice
A 16 de abril, Marcelo Rebelo de Sousa promulgou o diploma que altera o Mecanismo Nacional Anticorrupção e estabelece o regime geral de prevenção da corrupção — a grande aposta da ministra da Justiça, Rita Júdice — mas com reservas por considerar que este órgão continua “demasiado governamentalizado”.

O Presidente decidiu promulgar o diploma, “apesar das dúvidas que ainda suscita, e, sobretudo do vício original de se tratar de Mecanismo demasiado governamentalizado”. A justificação deve-se “ao recuo do Governo no regime da liderança do referido Mecanismo, à necessidade de não adiar um sinal, mesmo insuficiente, no domínio do combate à corrupção e ao facto de o diploma só entrar em vigor depois das eleições parlamentares”, explica a nota divulgada no site da Presidência da República.

Em fevereiro, o Governo aprovou o diploma para a prevenção da corrupção que prevê que o MENAC passe a ter um conselho de administração com três elementos e um quadro de pessoal próprio.

Assim, a direção do MENAC passa a ser assegurada por um órgão colegial (um conselho de administração com três elementos, sendo um deles o presidente) que recebe as competências atualmente exercidas exclusivamente por um presidente. O CA recebe também as competências relativas à gestão interna, administrativa e de recursos humanos, financeira e patrimonial. Os membros do conselho de administração do MENAC são designados por Resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do ministro da Justiça, ouvidos o presidente do Tribunal de Contas e o Procurador-Geral da República.

O mandato dos membros do CA tem a duração de quatro anos, renovável por igual período, bem como os do conselho consultivo, do secretário-geral (cujo estatuto é clarificado) e do fiscal único (que passa a existir). Os membros do CA só podem ser destituídos pelo Conselho de Ministros, com motivo justificado, após audições ao presidente do Tribunal de Contas e do Procurador-Geral da República. Por outro lado, é alargada a intervenção do conselho consultivo – a composição passa a incluir todos os órgãos de controlo setorial e regional, um representante do presidente do Tribunal de Contas e outro das organizações não governamentais da área da investigação de combate aos fenómenos da corrupção.

Passa a ser obrigatória a comunicação ao MENAC das decisões de arquivamento, de acusação, de pronúncia ou de não pronúncia e das decisões de absolvição ou condenação relativas aos crimes de corrupção (e crimes conexos) conforme anteriormente previsto em relação ao Conselho de Prevenção da Corrupção. Passa também a prever-se o envio à Assembleia da República do relatório anual do MENAC (e não apenas ao Governo).


Fonte: Eco
Foto: Daniel Rocha