Greve, banco de horas e até amamentação. Governo regressa à Concertação para negociar lei laboral

Mês e meio depois de ter apresentado o anteprojeto da reforma da lei do trabalho, Governo volta à Concertação Social, com críticas fortes dos sindicatos e algumas propostas dos empregadores.

Com margem para negociar, mas sem querer chegar a um acordo “à força”, o Governo regressa esta quarta-feira à Concertação Social, depois da pausa do verão, para retomar a discussão em torno da reforma da lei do trabalho.

Da parte dos sindicatos, ecoam críticas fortes, com a CGTP a defender que o Governo deveria mesmo retirar o anteprojeto, e a UGT a dar um “rotundo não“ às propostas já conhecidas.


Já os empregadores propõem ajustes, nomeadamente no teletrabalho e nos despedimentos. E em pano de fundo, o PS apela a um “grande sobressalto cívico“, enquanto o Chega pede a criação de uma delegação conjunta.

Voltemos, por momentos, a 24 de julho deste ano. Foi nessa data que o Governo aprovou em Conselho de Ministros e apresentou na Concertação Social o anteprojeto de lei da reforma da legislação laboral, documento que prevê mais de 100 mudanças ao Código do Trabalho.

Entre essas alterações propostas pelo Governo, está, nomeadamente, o alargamento dos limites da contratação a prazo, a possibilidade de o trabalhador adquirir dois dias extra de férias, o regresso do banco de horas individual, o fim do travão ao outsourcing após despedimentos (coletivos ou por extinção de posto de trabalho), a limitação da dispensa para amamentação, e a facilitação da recusa de teletrabalho por parte do empregador.

As propostas são muitas e têm suscitado reparos e críticas, tendo a ministra do Trabalho, em entrevista ao ECO, garantido, ainda assim, que há margem para evoluir, na negociação com os parceiros sociais, de forma construtiva.

“O que não faremos é comprar consensos agora para criar conflitos depois ou ‘passar’ à força na Concertação só para garantir aprovação no Parlamento“, sublinhou Maria do Rosário da Palma Ramalho, no arranque desta semana.

Já esta quarta-feira, a governante vai sentar-se à mesa com as quatro confederações empresariais e com as duas centrais sindicatos, depois de estas terem tido mês e meio para prepararem contrapropostas.

Da parte da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), o presidente Armindo Monteiro realça que o que está em cima da mesa, neste momento, é uma “base de trabalho”, pelo que nenhuma das propostas está num “ponto de não retorno”. Daí que estranhe os muros e linhas vermelhos que têm sido delineados pelos representantes dos trabalhadores.

Ainda assim, o responsável acredita que será possível chegar a um acordo, se forem colocados de lado “os slogans propagandísticos” e a discussão prossiga de modo “sereno, tranquilo e objetivo“.

“A negociação tem de ser feita de forma serena e esclarecida, e não à pressa. Mais do que a rapidez no processo, é importante o resultado final. Não se podem perder as possibilidades de um acordo o mais alargado possível“, declara Armindo Monteiro, em conversa com o ECO.

Sobre as propostas que a CIP vai apresentar esta quarta-feira ao Governo, o presidente da confederação coloca o foco na simplificação do Código do Trabalho e na clarificação de normas que hoje geram interpretações em conflito. Uma delas é o conceito de inadaptação em caso de despedimento.

“A própria palavra inadaptação é um exemplo do que é necessário clarificar. Para o próprio interesse dos trabalhadores. É preciso que ambas as partes saibam o que é que é a inadaptação“, defende.

A intenção é, pois, “evitar arbitrariedade” e “diminuir o contencioso” e a conflitualidade, sendo que em abril, na Conferência Anual do Trabalho, o responsável já tinha feito questão de destacar as dificuldades para promover saídas de trabalhadores com baixa performance dentro das empresas. “É legítimo promover o despedimento por fraco desempenho? Esta plateia sabe que é extremamente difícil. A relação laboral, sendo certo que é para proteção dos trabalhadores, tem outras variantes”, declarou, na altura.

Outros dos pontos que a CIP quer rever tem que ver com o teletrabalho. Armindo Monteiro salienta que, terminada a pandemia, esse modelo de trabalho tem de ser agora considerado uma relação de trabalho normal, ficando suficientemente claro que depende sempre de acordo entre as partes.

Já o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, apelou, à saída de uma reunião com o Presidente da República, a que se consiga uma “plataforma de acordo“.

“Será muito positivo para o país se conseguirmos no quadro da concertação social encontrar uma plataforma de acordo, que permita que as alterações [à lei laboral] que sejam feitas tenham o consenso mais amplo possível“, disse o responsável, confessando estar disposto a “fazer um esforço para tentar encontrar pontos consensuais“.

UGT e CGTP alertam para retrocesso nos direitos
Do outro lado da mesa, considerando as declarações do secretário-geral da CGTP, esse consenso parece bem menos provável. Em conversa com o ECO, o secretário-geral, Tiago Oliveira, salienta que o anteprojeto em causa é “um recuo enorme nos direitos dos trabalhadores e das relações de trabalho” e revela que, de todas as propostas que a CGTP tinha apresentado à ministra, nenhuma chegou a ser incluída neste pacote agora em discussão.

Por isso, o secretário-geral entende que o único caminho é o Governo retirar (na íntegra) este anteprojeto de cima da mesa. “São mais de 100 normas e são todas elas centradas em colocar o trabalhador numa situação de maior fragilidade no seu local de trabalho. Esperamos que o Governo retire da discussão este documento”, argumenta Tiago Oliveira.

E atira: “o Governo tem dito que este é um documento em aberto. Mas a questão é: aquilo que está em cima da mesa não é um documento que se possa discutir. Não podemos discutir a medida a, b ou c, quando todo este pacote é um retrocesso”.

Para já, a CGTP tem marcada uma manifestação para 20 de setembro, e não exclui greves nos próximos tempos. “Todas as formas de luta estão em cima da mesa, depende da posição do Governo”, perspetiva Tiago Oliveira.

Também a UGT rejeita as propostas apresentadas pelo Governo, tendo já dado um “rotundo não” ao que está em cima da mesa. Tanto que o secretário-geral Mário Mourão já admite uma greve geral.

“Se não houver disponibilidade do Governo, se continuar intransigente e os restantes parceiros, esse é um bom motivo para encetarmos fórmulas de luta, entre elas, não excluindo a greve geral, naturalmente, com outras organizações sindicais. Isso não pode estar excluído”, disse, à saída de uma reunião com o Chefe de Estado.

Em conversa ao ECO, o secretário-geral da UGT explica que a central sindical vai entrar no diálogo, mas há várias matérias que teriam de ser retiradas por completo do pacote. Uma delas é a eliminação do travão ao outsourcing após despedimentos coletivos, com Mário Mourão a lembrar que a terceirização levou ao desemprego muitos trabalhadores, nomeadamente, no setor financeiro.

“Vamos ver se a disponibilidade é, de facto, uma palavra que se possa utilizar. Claramente que a UGT considera que este é um documento que, tal como está, não merece a nossa concordância. Não é uma reforma, é uma rutura civilizacional“, assinala ainda o sindicalista, que avisa, desde já, que a UGT “não vai fazer nenhum processo à pressa”. “Se não houver convergência, resta-nos a luta e a rua“, antecipa.

PS critica. Chega viabiliza?
As mudanças à lei do trabalho estão ainda a ser discutidas na Concertação Social, mas, depois, seguirão para a Assembleia da República. Ora, sem maioria absoluta no Parlamento, o Governo da AD terá, então, de encontrar na oposição apoio para que esta reforma da lei do trabalho seja viabilizada.

Uma vez que grande parte das medidas que estão em cima da mesa reverte as mexidas feitas pelos Governos de António Costa (primeiro, em 2019 e, depois, em 2023) ao Código do Trabalho, não é de estranhar que os socialistas tenham já feito duras críticas ao pacote em questão.

Ainda esta terça-feira, o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, falava num “grave retrocesso“ dizia que é preciso um “grande sobressalto cívico” em resposta às propostas do Governo.

Por outro lado, o Chega já deixou reparos quanto à intenção, por exemplo, de limitar a dispensa para amamentação, mas o partido de André Ventura disse querer analisar as propostas com o Governo, numa delegação conjunta.

Já confrontada com esta dinâmica, a ministra do Trabalho deixou um recado, na referida entrevista ao ECO: “espero que o PS não levante linhas vermelhas intransponíveis. Se o fizer, depois não nos podem censurar por negociarmos com outros, porque isso poderá suceder“.

Fonte: Eco
Foto: António Pedro Santos/LUSA