Uso de meios ilegais para controlar teletrabalho pode custar até 20 milhões de euros

Teletrabalho não afasta a possibilidade o empregador supervisionar o trabalhador, mas há limites. Coimas podem ultrapassar os 20 milhões de euros em função da dimensão da empresa.

Um recente estudo da União Geral de Trabalhadores (UGT) revelou que quase metade das pessoas em teletrabalho estão sujeitas a vigilância e controlo ilegais por parte da entidade empregadora. Os meios não admissíveis na lei variam desde envio de emails e SMS até ao registo de atividade laboral. Os advogados contactados pela Advocatus alertam que há exceções, mas lei tem limites, e coimas podem ultrapassar os 20 milhões de euros em função da dimensão da empresa.

“Se a utilização desses meios consubstanciar a violação de dados pessoais, a entidade empregadora incorrerá na prática de contraordenação ficando por isso sujeita à aplicação das sanções previstas no Regulamento Geral Sobre a Proteção de Dados“, explicou Ana Gradiz Correia, advogada coordenadora da área de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo.


Assim, caso seja uma contraordenação grave praticada por grande empresa, com 250 ou mais trabalhadores, a coima varia entre 2.500 euros e os 10 milhões de euros ou 2% do volume de negócios anual consoante o que for mais elevado. Em caso de muito grave, a coima varia entre 5.000 euros e 20 milhões ou 4% do volume de negócios anual.

Se for uma pequena ou média empresa, com 10 a 50 e 20 a 250 trabalhadores respetivamente, a contraordenação grave é punida com uma coima de mil euros a um milhão de euros ou 2% do volume de negócios anual consoante o que for mais elevado. No caso de contraordenação muito grave a coima a aplicar será de dois mil euros a dois milhões ou 4% do volume de negócios anual.

“Independentemente da contraordenação ser grave ou muito grave e da dimensão da empresa, tratando-se de empresas que também operem fora do território nacional, o volume de negócios para efeitos da aplicação das respetivas coimas será a ferido a nível mundial”, referiu a advogada da Gómez-Acebo & Pombo.

Pedro de Quitéria Faria, sócio da Antas da Cunha Ecija, explicou ainda que o Código de Trabalho (CT) prevê que está vedado ao empregador a captura e utilização de imagem, de som, de escrita, de histórico, ou o recurso a outros meios de controlo que possam afetar o direito à privacidade do trabalhador, constituindo contraordenação muito grave. “Estas são as sanções laborais previstas no CT e que podem ser aplicadas aos empregadores que utilizem meios ilegais de controlo do teletrabalho”, disse.

O estudo “Teletrabalho e os seus desafios na nova conjuntura” da UGT concluiu que cerca de 49,3% dos “teletrabalhadores” admitiu que a empresa recorria a soluções de vigilância e controlo do tempo trabalhado. Destes, 46,5% considerou que foram adotados procedimentos mistos – admissíveis e inadmissíveis – e 2,8% apenas meios contrários à lei. Este estudo teve por base 1.007 entrevistas presenciais, realizadas por 32 entrevistadores entre 23 de agosto e 11 de setembro de 2022.

Várias foram as formas apontadas como “inadmissíveis” por parte dos trabalhadores no estudo da UGT. As mais frequentes são o envio de emails e/ou SMS periódicos, o recurso a software de registo do início e fim da atividade laboral e pausas, o pedido de manutenção da câmara de vídeo permanentemente ligadas e captura de imagem do ambiente do trabalho.

Sobre outros meios ilegais utilizados pelos empregadores, Ana Gradiz Correia, advogada da Gómez-Acebo & Pombo, avançou que podem ser considerados todos os “mecanismos automáticos que envolvam a possibilidade de o empregador monitorizar à distância o trabalhador e o trabalho por ele desenvolvido”.

Apesar do teletrabalho, Joana de Sá, sócia da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, considera que isto não afasta a possibilidade o empregador “poder, e dever, providenciar pela regular realização da tarefa de registo de tempos de trabalho através de soluções tecnológicas específicas, que facilitem tais tarefas a quem se encontra em regime de teletrabalho”. Não esquecendo que os “teletrabalhadores” continuam sujeitos aos direitos e deveres associados à normal execução das suas tarefas.

“Porém, essas soluções devem limitar-se a reproduzir o registo efetuado quando o trabalho é prestado nas instalações da entidade empregadora. São exemplo o registo do início da prestação de trabalho, pausas e termo da mesma. Também nada proíbe que dentro do período normal de trabalho, a entidade empregadora contacte o trabalhador que se encontra em teletrabalho através dos canais normais/habituais no âmbito da relação laboral, como telefone (chamada ou sms), correio eletrónico ou através de plataforma digital (teams ou zoom)”, explicou.

Pedro da Quitéria Faria partilha da posição de Joana de Sá e também considera que é permitido equipar os instrumentos de trabalho com equipamento que permita a proteção contra a invasão, como por exemplo antivírus. O sócio da Antas da Cunha Ecija notou ainda que o empregador pode, mediante determinadas circunstâncias, controlar a prestação de atividade em regime de teletrabalho.

“Assim, não obstante o empregador ter o dever de respeitar a privacidade do trabalhador e os seus tempos de descanso e de repouso, caso a prestação da atividade seja realizada em teletrabalho, o Código de Trabalho determina que pode ser feita uma visita à residência do trabalhador, no horário de trabalho, com o limite de que esta poderá apenas destinar-se ao controlo da atividade laboral e dos instrumentos de trabalho”, explicou.

Ou seja, segundo Pedro da Quitéria Faria o controlo à distância da atividade laboral deve ser “objetivo”, de forma a “evitar a desproporcionalidade” entre as vantagens que o empregador pretende com a visita à residência do trabalhador e a lesão que causa à esfera privada do trabalhador.

“Não é admissível toda e qualquer forma de monitorizar o desempenho dos teletrabalhadores. Não é lícito, por exemplo, que o empregador instale dispositivos ou programas de software nos instrumentos de trabalho (computador ou telemóvel), com o único objetivo de conhecer e controlar tudo o que é feito pelo trabalhador e todos os seus “passos”, isto é: o período/número de horas que este está ao computador, com quem contacta e qual o fim e o que faz minuto a minuto, a obrigação de ter a câmara sempre ligada, entre outros”, explicou.

O sócio sublinhou ainda que todos estes programas têm uma “capacidade assinalável de controlo, de forma oculta (por regra),” quase ilimitada sobre as ações do trabalhador. Isto permite aos empregadores, através destes “meios de vigilância ilegais”, aceder, por exemplo, a dados pessoais arquivados no computador, “externos à prestação da atividade profissional”, capturas de ecrã que permitem conhecer as páginas onde o trabalhador navega e, além disso, recolher registos áudio e vídeo.

“Este tipo de monitorização viola manifestamente regras laborais e de proteção de dados. Ou seja, práticas como a instalação nos instrumentos de trabalho de programas que permitam identificar toda a atividade do trabalhador, que não respeite aos limites identificados, pode conduzir à violação das regras de proteção do trabalhador e, consequentemente, à aplicação de contraordenações graves ou muito graves ao empregador”, disse o advogado.

Ainda assim, podem ser colocadas em prática pelas empresas boas práticas. Ana Gradiz Correia sublinhou que existem meios legais de controlo do teletrabalho e que o importante é ter presente que o teletrabalho “não desonerou os empregadores da obrigação de assegurarem o registo dos tempos de trabalho”, assim como das “interrupções ou intervalos”, por forma a “permitir o apuramento do número de horas de trabalho prestadas por dia e por semana com referência a cada trabalhador, e de manterem esses registos, sob pena de não o fazendo incorrerem na prática de contraordenação grave cuja coima poderá variar entre 612 e 9.690 euros, consoante o volume de negócios da empresa e o grau de ilicitude da infração praticada”.

A advogada da Gómez-Acebo & Pombo deu como exemplos de boas práticas o envio de emails cuja receção o trabalhador deverá acusar e a chamadas telefónicas. “Diria que em princípio, poderá recorrer a meios automáticos que não envolvam a monitorização do trabalhador e do trabalho por ele prestado”, acrescentou.

Já Pedro da Quitéria Faria defendeu que o empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador, o horário de trabalho e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como “proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico”.

Fonte: Eco