Trabalhadores têm direito a teletrabalho no dia da greve geral? E a falta justificada?
Mesmo que os transportes públicos parem por causa da greve geral, trabalhadores não têm direito a impor teletrabalho. Para trabalharem à distância, precisam do "sim" do empregador.
Apanhar o transporte público do costume e chegar ao local de trabalho pode revelar-se uma tarefa difícil esta quinta-feira, por efeito da greve geral contra a reforma da lei do trabalho. Ainda assim, os trabalhadores que queiram ficar em teletrabalho têm de contar com o “sim” do empregador, não podendo impor esse regime, indicam os advogados ouvidos pelo ECO. E as eventuais faltas ao trabalho deverão ser considerados injustificadas (com perda de remuneração).
“Por sistema, o teletrabalho depende de acordo. Não é o trabalhador que escolhe onde presta o trabalho”, sublinha David Carvalho Martins, managing partner da Littler, que realça que a lei não prevê exceções para os dias de greve.
Pedro da Quitéria Faria, partner na Antas da Cunha Ecija, confirma-o, afirmando que “não há nenhuma regra excecional” para os dias de greve, ainda que se sugira “vivamente que os trabalhadores que precisem de transportes públicos façam teletrabalho e o que os empregadores cedam”. Aliás, adianta o advogado, há já “muitas empresas” a sugerir elas próprias que assim seja.
Por sua vez, Pedro Antunes, partner da CCA Law Firm, entende que é o trabalhador que, perante a greve nos transportes públicos, tem de tratar de encontrar uma outra forma de se deslocar até ao local de trabalho, mas admite, em linha com Quitéria Faria, que, “em comunicação com as chefias, pode haver uma tentativa de encontrar uma solução“, como o teletrabalho.
Importa notar que a lei do trabalho prevê exceções à necessidade de um acordo para a prestação de trabalho. É o caso dos trabalhadores com filhos até três anos (ou, independentemente da idade, no caso de o filhos ser portador de deficiência, doença crónica ou doença oncológica), que têm direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, “quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito”. Nestes casos, o empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador, diz o Código do Trabalho.
Nos demais casos, sem o “sim” do empregador, o trabalhador terá mesmo de se deslocar até ao local de trabalho esta quinta-feira, ainda que os transportes públicos estejam parados ou com circulação reduzida, avisa David Carvalho Martins.
Não consigo trabalhar à distância. Posso faltar?
No caso dos trabalhadores cujas funções não sejam compatíveis com o teletrabalho, a questão que se impõe é: afinal, posso faltar ao trabalho na quinta-feira, justificando a ausência com a greve nos transportes?
Os advogados ouvidos pelo ECO alertam que, regra geral, essa falta seria considerada injustificada (com perda de remuneração).
“Entendo que a falta não é justificada. Não existe um fenómeno de força maior que impeça o trabalhador de sair de casa e pelos meios que tenha disponível”, argumenta Pedro da Quitéria Faria, que avisa que seria “muito difícil” e só com “alguma liberalidade do empregador” justificar essa ausência.
Na mesma linha, Pedro Antunes sublinha que a lei não prevê a greve como justificação, pelo que que a falta poderia ser considerada injustificada. “Legalmente, se as empresas não quiserem aceitar essa justificação, podem não aceitar“, declara.
Admite, ainda assim, que, sendo chamada, por exemplo, a Autoridade para as Condições do Trabalho, seria avaliada, nomeadamente, a antecedência do aviso dado pelo trabalhador e a sua iniciativa em tentar encontrar uma alternativa.
“Não basta um incómodo, teria de ser mesmo uma impossibilidade para haver uma falta justificada. Mas seria muito, muito difícil justificar“, confirma David Carvalho Martins.
O que explica a greve geral?
No final de julho, o Governo aprovou em Conselho de Ministros e apresentou na Concertação Social o anteprojeto “Trabalho XXI”, que pôs em cima da mesa mais de 100 mudanças ao Código do Trabalho, nomeadamente no que diz respeito aos contratos a prazo, aos despedimentos, às licenças parentais e aos bancos de horas.
Desde essa altura que a UGT tem feito críticas, mas, entretanto, decidiu consensualizar uma data com a CGTP para uma greve geral, em protesto não só contra as medidas que estão em cima da mesa, mas também contra a falta de evolução na negociação.
O Governo tem insistido que esta greve não faz sentido, porque a negociação na Concertação Social está a continuar. Mas tanto a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, como o primeiro-ministro, Luís Montenegro, não têm dado sinais de recuar nas matérias consideradas mais críticas pelos sindicatos.
Ainda que o direito à greve esteja estabelecido na Constituição, a lei do trabalho define que, nas empresas e os estabelecimentos que se destinam à “satisfação de necessidades sociais impreteríveis”, os sindicatos devem assegurar a “prestação de serviços mínimos indispensáveis” para salvaguardar essas necessidades.
O Tribunal Arbitral já definiu serviços mínimos, por exemplo, para a Comboios de Portugal e para a Carris, conforme escreveu o ECO. Ou seja, haverá circulação, ainda que reduzida. Mas o Metropolitano de Lisboa ficou de fora, o que significa que este serviço poderá ficar mesmo parado esta quinta-feira, em função da adesão à greve. A empresa já anunciou que irá recorrer.
Fonte: Eco
Foto: Lusa