Da morosidade ao combate à corrupção, o que defendem os partidos para a justiça?

Vários são os pontos de consenso entre os partidos: o combate aos megaprocessos e à lentidão da justiça, o combate à corrupção, a valorização das carreiras ou até a redução das taxas de justiça.

No próximo domingo o país vai a votos para eleger os deputados da Assembleia da República e Governo. Da esquerda à direita, o setor da justiça é um dos temas quentes nos programas consultados pelo ECO. No início do mês a AD e o PS já se disponibilizaram para consensualizar uma reforma que torne a justiça mais célere, com o líder do PSD a criticar os chamados megaprocessos e o secretário-geral do PS a defender o fim dos recursos suspensivos. Afinal, o que defendem as principais forças políticas nos seus programas eleitorais?

Vários são os pontos de consenso entre os partidos com assento parlamentar: o combate aos megaprocessos e à lentidão do sistema de justiça, o combate à corrupção, a valorização das carreiras ou até a redução das taxas de justiça.


Mas vamos por partes. No que concerne à celeridade processual, a Aliança Democrática (AD) quer criar um grupo de trabalho com especialistas para elaborar um anteprojeto e ainda rever os prazos processuais de forma a garantir a sua efetiva aplicação e adequação, contribuindo assim para processos mais rápidos.

Já o Partido Socialista (PS) quer apostar na simplificação dos processos e trâmites processuais e proceder à revisão transversal dos prazos judiciais, de acordo com a complexidade dos processos. O partido liderado por Pedro Nuno Santos pretende ainda repensar a necessidade de vários atos processuais em todas as fases e clarificar as formas de coordenação e os poderes hierárquicos da Procuradoria-Geral da República no âmbito do inquérito.

Mais à direita, o partido Chega promete rever o regime de recursos, de modo a impedir a instrumentalização desta figura processual e promete implementar um plano de contingência urgente para eliminar as pendências nos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Já a Iniciativa Liberal (IL) quer garantir que o recurso para o Tribunal Constitucional tenha sempre efeito devolutivo, assegurando maior celeridade no sistema judicial. Entre as medidas do partido está ainda o reforço do cumprimento atempado das decisões contra o Estado e aprofundar a especialização dos juízos e nivelar a carga processual entre tribunais. Tanto a IL como o Livre pretendem reformular a fase de instrução.

O combate à corrupção
Com Portugal a descer quatro pontos na pontuação do Índice de Perceção da Corrupção 2024 da organização Transparência Internacional, abaixo da média da União Europeia, a corrupção foi outro dos pontos em destaque nos programas eleitorais dos partidos.

Se por um lado a AD quer prevenir e combater a corrupção com a regulamentação do lobby, perda de bens e reforço dos meios, por outro lado o PS pretende rever as regras sobre a a conexão de processos de modo a evitar os chamados megaprocessos, como a Operação Marquês ou o Caso BES.

Por outro lado, o partido liderado por Mariana Mortágua propõe a criminalização do enriquecimento injustificado com confisco de bens, a fiscalização do património e dos rendimentos dos titulares de cargos políticos e dos altos cargos do Estado, o alargamento para seis anos do período em que os ex-governantes não podem ser contratados por empresas do setor que tutelaram e a criminalização do recurso a serviços prestados por entidades situadas em territórios offshores.

Já o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) quer aprovar a Estratégia Nacional Anticorrupção 2026-2030, regulamentar o lobbying e implementar mecanismos de “pegada legislativa” no Governo e Assembleia da República e ainda obrigar políticos condenados por enriquecimento ilícito a restituir 100% do valor indevidamente recebido.

O partido liderado por Inês Sousa Real propõe ainda um reforço da eficácia da lei no combate à corrupção, a adoção de um quadro que simplifique os megaprocessos, incorporação de módulos específicos sobre integridade e combate à corrupção nos currículos de ensino, impedir empresas com sede em paraísos fiscais de receber apoios públicos ou benefícios fiscais e obrigar clubes da primeira liga a terem um portal de transparência.

Por fim, o Chega quer reforçar os meios do DCIAP para combater a criminalidade organizada, reformar o sistema de apreensão, confisco e devolução ao Estado, criar o crime de enriquecimento ilícito e aprovar uma nova Estratégia Nacional Anticorrupção 2025-2028. A Iniciativa Liberal pretende também reforçar os meios técnicos de investigação nas áreas do crime financeiro, alterar o regime atual da declaração e registo de interesses e reforçar a aposta na prevenção de combate à corrupção.

No que concerne aos crimes, a AD quer julgamentos rápidos para crimes violentos ou graves, rever o código de execução de penas e medidas privativas de liberdade e implementar a nova ficha de risco de violência doméstica, para permitir identificar o risco efetivo de cada caso. A Iniciativa Liberal aposta no alargamento do prazo de prescrição dos crimes contra menores, até aos 30 anos da vítima.

Por outro lado, o Chega pretende rever o regime de prescrição de penas, nomeadamente relativamente a crimes contra crianças e económicos, proceder à revisão e endurecimento das penas relativas a crimes como a violência doméstica, introduzir a pena de prisão perpétua com possibilidade de revisão e combater a violência doméstica e sexual através do aumento das penas.

Das taxas à revisão de carreiras
Outro dos aspetos sublinhados nos programas eleitorais dos partidos é a redução das taxas de justiça. Se por um lado, o Bloco de Esquerda quer a redução generalizada das taxas e custas processuais, por outro lado, o Coligação Democrática Unitária (CDU) pretende extinguir as custas de forma progressiva. Ambos os partidos pugnam pelo alargamento dos critérios de apoio judiciário.

Mas as medidas não se ficam por aqui. O PAN promete eliminar o agravamento de 5% sobre o pagamento faseado das custas, o Chega quer rever o regulamento das custas para tornar a justiça mais acessível e o Livre aposta na redução das custas, em especial nas taxas de justiça.

No que toca às carreiras, a AD pretende continuar a revisão das dos técnicos de reinserção social e reeducação, administrador prisional e medicina legal e o PS quer assegurar a valorização de todas as carreiras que ainda não foram objeto de revisão.

Entre as propostas está ainda a do Bloco, que quer recrutar e rever as carreiras e as tabelas remuneratórias dos órgãos de polícia criminal; as da CDU que aposta na revalorização da Polícia Judiciária e garantir a admissão regular de profissionais; e as do Livre, que pretende reforçar o número de profissionais de justiça e rever os regimes salariais e a progressão de carreiras.

Outras medidas dos partidos para a área da Justiça

Aliança Democrática
- Elaborar uma Estratégia para o Património da Justiça e que promova uma gestão racional de todo o edificado afeto à área governativa da Justiça;
- Introduzir mecanismos de validação e controlo dos encargos com os honorários dos advogados no âmbito do apoio judiciário que permitam um pagamento mais célere e rigoroso;
- Criar um código de conduta no âmbito da Inteligência Artificial para as entidades da área governativa da Justiça;
- Elaborar uma Estratégia Digital para a Justiça, dotando-a de um novo modelo de governo para as tecnologias de informação e comunicação que promova a interoperabilidade e segurança dos sistemas, e que permita responder melhor aos desafios tecnológicos da Justiça.

Partido Socialista
- Garantir a interoperabilidade entre sistemas informáticos dos tribunais, da Administração Pública, incluindo entidades reguladores e entidades estrangeiras e internacionais, com vista ao acesso automático a documentos e informações relevantes;
- Utilizar mecanismos de automatização de tarefas de IA para apoio à submissão de documentos, pesquisa avançada, propostas de sumários, jurisprudência, gestão inteligente de atividades, sugestões de documentação a consultar, entre outras;
- Dotar o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal dos meios, incluindo tecnológicos, para investigar novas formas de criminalidade, bem como para construir equipas interdisciplinares de magistrados de investigação criminal;
- Alargar a rede de meios alternativos de resolução de litígios existentes e alargar os julgados de paz a novas áreas do Direito.

Chega
- Assegurar a digitalização de todos os processos em todos os tribunais, incluindo o Tribunal Constitucional, e proceder a melhorias nas plataformas de submissão e gestão de processos;
- Alterar as regras de acesso à arbitragem na Justiça Tributária, de forma a que, em qualquer litígio em que esteja envolvido dinheiro público, o Ministério Público seja obrigatoriamente parte acessória, assim como assegurar que todas as decisões arbitrais são públicas e ficam disponíveis online;
- Rever o regime jurídico do acesso ao direito e aos tribunais, designadamente, revendo os critérios de acesso à proteção jurídica;
- Reverter as alterações impostas às Ordens Profissionais, garantindo a isenção do funcionamento das Ordens, a preservação dos seus atos profissionais e da sua autonomia.

CDU
- Criação de estruturas de apoio direto aos magistrados, quer destinadas a apoiar a prática de atos que não impliquem o exercício da função jurisdicional, quer em termos de assessorias técnicas multidisciplinares para apoio em áreas de maior complexidade;
- Melhorar a acessibilidade dos cidadãos aos serviços de registos e notariado, com a dotação de instalações condignas para a cobertura nacional adequada, com condições de celeridade na tramitação dos processos, bem como com a correção das disparidades salariais que subsistem ao nível das carreiras dos seus profissionais;
- Aumento e atualização anual do valor das remunerações devidas aos advogados no âmbito do acesso ao direito e apoio judiciário, a par de medidas de investimento na qualidade do serviço prestado aos cidadãos nesse âmbito, designadamente com a criação de condições para acesso a formação contínua nas áreas de preferência manifestadas pelos advogados inscritos; voltando a equacionar as condições de criação de um serviço público para a defesa oficiosa e o patrocínio judiciário;
- Criação de um regime de proteção social dos advogados, integrado na Segurança Social, que assegure o pagamento de pensões mas também proteção social nas eventualidades de doença, maternidade, invalidez, ou desemprego, com um regime de contribuições adequado e sem que daí resultem para a Segurança Social encargos decorrentes de desequilíbrios financeiros atuais ou futuros da CPAS.

PAN
- Assegurar uma maior proteção do denunciante por via da revisão do Estatuto de Proteção do Denunciante ;
- Garantir uma defesa do direito de acesso à informação através da gratuitidade do acesso à informação administrativa, atribuição de um caráter vinculativo às decisões da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e da criação de um regime sancionatório para as entidades e pessoas que violem o direito de acesso à informação;
- Reconhecer o direito de isenção de custas judiciais aos trabalhadores sinistrados que intervenham nas ações emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional;
- Assegurar o pleno cumprimento das medidas constantes do Pacto de Justiça de 2018 que estão por cumprir, como por exemplo a criação, nas comarcas ou agrupamento de comarcas, de equipas com competências para colaborar no processamento de instrumentos de cooperação judiciária internacional, incluindo competência linguística para tradução, ou a aprovação de um regime jurídico que enquadre a prestação de perícias por entidades públicas no âmbito do Departamento Central de Investigação e de Ação Penal.

Iniciativa Liberal
- Rever o Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, garantindo que o acesso à justiça seja verdadeiramente universal, justo e adaptado à realidade socioeconómica atual;
- Introduzir incentivos à boa gestão nas direções prisionais, premiando a redução de reincidência, a implementação de programas de reinserção com resultados comprovados e a eficiência na alocação de recursos. A gestão prisional deve ter autonomia operacional e orçamental crescente, condicionada à transparência e ao desempenho;
- Criação de uma plataforma digital única para todo o sistema judicial, unificando as atuais soluções eletrónicas das jurisdições comum e administrativa e fiscal;
- Criação de uma via de acesso direto à magistratura para juristas de mérito reconhecido e experiência relevante, validada pelo CEJ.

Bloco de Esquerda
-Taxar a 100% a riqueza abusiva sem origem clara;
- Ex-governantes não podem ser contratados por empresas das áreas por que foram responsáveis;
- Fim dos Vistos Gold e fazer uma auditoria para avaliar os vistos dados;
- Tornar ilegal o uso de serviços prestados por empresas que estão em territórios offshore. As empresas com ligações a esses territórios não devem ter acesso a apoios públicos ou contratos com o Estado.

Livre
- Melhorar o Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, nomeadamente revendo a tabela de honorários do patrocínio oficioso, assegurando o pagamento atempado aos defensores oficiosos e garantindo a qualidade do serviço prestado por advogados nomeados;
- Garantir o acesso digital direto das pessoas às peças processuais que lhes dizem respeito num portal que também apresente uma esquematização simplificada das fases processuais, com remissões para as leis que as enquadram;
- Criar o Plano Nacional de Saúde Mental em Centros Educativos e Estabelecimentos Prisionais, com o objetivo de promover a prevenção e o tratamento da doença mental em contexto de reclusão, designadamente através do cumprimento dos rácios recomendados de 1 psicólogo para 50 reclusos nos casos de abuso de substâncias e doença mental grave e de 1 psicólogo para 180 reclusos na população prisional geral;
- Propor a criação de um sistema de descontos para a segurança social integrado nos serviços realizados no sistema prisional.

Fonte: Eco