Governo mantém medidas, mas ajusta devolutos e alojamento local

Arrendamento coercivo de casas devolutas só ao fim de dois anos, contribuição do AL reduzida para 20%. Licenciamento sem avaliação prévia municipal foi adiado.

Sem retirar nenhuma das propostas que tinha anunciado no âmbito do programa Mais Habitação, o governo anunciou ontem vários ajustes às medidas alvo de maior polémica, caso do arrendamento coercivo de casas devolutas e as restrições ao alojamento local (AL). Mas o plano ainda não ficou fechado, como estava previsto: duas medidas, entre elas a dispensa de apreciação prévia dos serviços municipais aos projetos de arquitetura, vão manter-se em discussão até final de abril.

No que se refere ao arrendamento forçado de imóveis devolutos, a proposta agora aprovada em Conselho de Ministros limita os territórios e as tipologias abrangidas e alarga para dois anos o período necessário para que um imóvel fique sujeito a este regime (inicialmente estava previsto apenas um ano). Ou seja, a medida não será aplicada nos territórios de baixa densidade (terá aplicação sobretudo na faixa litoral), nem a outras tipologias que não os apartamentos (moradias, por exemplo, ficam de fora). O primeiro-ministro explicou assim o procedimento que será seguido nesses casos: após dois anos como devoluto, o município notifica o proprietário, oferecendo uma renda "30% acima do preço mediano daquela tipologia naquela freguesia". "Não se trata de expropriar, de um esbulho, trata-se de pagar uma renda justa", colocando o imóvel no mercado, sublinhou. Perante uma recusa ou falta de resposta do proprietário, o município pode proceder então ao arrendamento forçado. Caso opte por não o fazer, a autarquia perde o direito a receber a taxa agravada de IMI aplicada aos edifícios devolutos.

Alterações destinadas a "garantir a devida tranquilidade e segurança" numa medida que tem causado polémica, que o primeiro-ministro disse ontem ver com "alguma perplexidade". Costa voltou a repetir um argumento que tem sido profusamente usado pelo governo - o "conceito de prédio devoluto e arrendamento forçado não são novidade no ordenamento jurídico" nacional. E acrescentou também que os "municípios têm sido bastante parcimoniosos a classificarem os imóveis como devolutos": são 10 998 em todo o país, 6444 dos quais em Lisboa. Números que não justificam a "vaga de receio" que se criou, diz António Costa.

AL com "grande impacto" no acesso à habitação
Também no alojamento local , um setor que tem protestado contra as medidas anunciadas - e que voltou a fazê-lo ontem ruidosamente, às portas da conferência de imprensa do Executivo, em Almada - a opção do governo foi por alguns ajustes, sem retirar nenhuma das medidas previstas. É o caso da contribuição extraordinária sobre as unidades de alojamento local que se localizam em áreas de pressão urbanística, que passa dos 35% previstos inicialmente para os 20%. Por outro lado, a medida "não se aplicará aos 165 municípios classificados como de baixa densidade e a 73 freguesias de baixa densidade em 200 outros municípios" e só abrangerá apartamentos, não se aplicando também nas regiões autónomas.

Já no que respeita ao fim da emissão de novas licenças de alojamento local, o Conselho de Ministros, também neste caso, decidiu agora que ficam excluídos desta medida os territórios de baixa densidade. E quanto à caducidade das licenças em 2030, período após o qual passam a ser renovadas de cinco em cinco anos, a medida não se aplicará aos casos em que a habitação em causa tenha sido dada como garantia de um empréstimo, mantendo-se nesse caso a licença até ao termo inicialmente contratado para esse empréstimo. Para a Assembleia da República segue igualmente a proposta que permite que uma maioria dos condóminos possa travar a existência de alojamento local numa fração e que é também alvo de forte contestação.

E há mais uma medida visando o alojamento local, que António Costa diz ter resultado dos alertas dos setor, que tem advertido para o número significativo de licenças "fantasma" de AL - unidades que têm licença de AL, mas não têm esse uso efetivo. Com esta nova medida, os proprietários de alojamentos locais terão dois meses para apresentar "declaração contributiva do rendimento" com aquela atividade, caso contrário a licença deixará de estar ativa. Justificando estas medidas, António Costa sustentou que o "alojamento local tem tido um crescimento significativo", referindo que há, nesta altura, 109 890 habitações alocadas ao AL. "Só este ano, entre janeiro e fevereiro, mais 2017 habitações foram alocadas a esta atividade económica", afirmou o primeiro-ministro, sustentando que esta é uma atividade com um "impacto muito grande no acesso à habitação" e que, por isso, exige regulação.

Outra medida que avança é o fim dos chamados vistos gold. Para António Costa "nada justifica" a existência deste regime especial quando "89% desse investimento foi puramente imobiliário". De acordo com o primeiro-ministro, das 11 758 autorizações de residências concedidas ao abrigo deste regime ao longo de 11 anos apenas 22 resultaram na criação de emprego, pelo que não há razões que justifiquem a sua continuidade. Quanto aos processos ainda pendentes, Costa afirmou que "serão tramitados pela lei geral".

Um dos eixos do programa Mais Habitação são os benefícios fiscais ao arrendamento, sobretudo aos imóveis que forem colocados em arrendamento acessível. De acordo com a proposta final os imóveis colocados na plataforma de arrendamento acessível passam a ter total isenção de impostos no IRS, IMI, AIMI e IMT, assim como no imposto de selo e sobre o IVA de empreitadas. Uma isenção que se aplicará igualmente aos imóveis que transitem do alojamento local para o arrendamento. Já a tributação sobre as rendas cai dos atuais 28 para os 25% no caso de contratos de arrendamento com uma duração de entre dois a cinco anos, para os 15% quando o período contratual seja entre os cinco e os dez anos e para um mínimo de 5% no caso de contratos por duração igual ou superior a 20 anos. Ainda no que se refere às rendas os senhorios que ainda recebem "rendas antigas" deixam de pagar IRS e IMI pelos rendimentos obtidos.

Quanto às críticas que se têm feito ouvir a estas medidas, António Costa sublinhou que a habitação é um fator estruturante na vida das pessoas, e defendeu que as medidas que estão em cima da mesa são instrumentos "bastante racionais" para enfrentar o problema da habitação. "A minha prioridade é assegurar o direito à habitação", diria ainda, manifestando-se convicto de que não há problemas de constitucionalidade das medidas. Já sobre as críticas e um eventual futuro veto de Marcelo, António Costa disse aguardar "serenamente" - "Tal como gostamos que respeitem as nossas competências, temos que respeitar as dos outros".

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Miguel A. Lopes/LUSA