Governo ensaia regionalização com novo modelo de gestão autárquica

Comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas vão incorporar novas competências municipais e do Estado. Nas freguesias, Executivo quer extinguir 1500.

É uma verdadeira revolução no território aquilo que o Governo se prepara para fazer nos próximos meses em Portugal. O objectivo é alterar radicalmente o modelo de gestão autárquica, dando-lhe escala e criando sinergias, e para tal serão reforçadas as competências das comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas, de modo a fazerem uma gestão integrada dos meios municipais. É também uma espécie de ensaio à regionalização, já que aquelas estruturas terão um conselho de administração a tempo inteiro, eleito indirectamente através dos municípios, e poderão mesmo ter um pequeno senado, pois todos os presidentes de câmara terão de estar representados.

A ideia faz parte do pacote da Reforma Administrativa Local, prevista no acordo com a troika, e que está longe de se esgotar no polémico mapa autárquico de reorganização das freguesias. E cruza-se com a necessidade de racionalizar a despesa das autarquias com os limites ao endividamento das entidades públicas, impostos pela lei de assunção de compromissos em discussão na Assembleia da República.

O que se pretende, apurou o PÚBLICO, é levar os municípios a reorganizarem colectivamente todas as suas estruturas, sejam empresas ou serviços municipais, seja o seu modelo de compras, de modo a que estes deixem de ser feitos à escala municipal e passem a sê-lo em conjunto pelos vários municípios duma mesma comunidade ou área metropolitana.

"É um verdadeiro choque reformista", afirma o ministro Miguel Relvas ao PÚBLICO, garantindo, no entanto, que "não haverá mais despesa, nem mais classe política ou administrativa, nem mais funcionários". "Vamos apenas racionalizar o que já existe."

Mas se tudo vai mudar a nível de competências e organização, o Governo parte de uma base já existente: as duas áreas metropolitanas (AM) de Lisboa e do Porto e as 23 comunidades intermunicipais (CIM) criadas em 2002 por Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso (ver mapa). Na altura, as CIM geraram polémica e a reforma acabou por não cumprir os objectivos a que se propunha, muito próximos, aliás, daqueles em que o agora ministro com a tutela do poder local está empenhado. As comunidades intermunicipais existem, mas funcionam como associações de municípios, sem competências nem financiamento próprio.

Agora, à boleia da troika e da redução dos recursos municipais, Relvas prepara-se para dar outra dimensão à sua própria ideia. O Governo prepara para Maio uma proposta de lei de governação das CIM e AM onde irá propor este novo modelo, já com definição de competências próprias e um modelo organizativo que ainda está em estudo. Para a sua definição, os governantes têm estado a analisar, por exemplo, o funcionamento dasdiputaciones provinciales, criadas em Espanha no início do século XIX e que antecederam a criação das regiões autonómicas, mas que nunca foram extintas, embora tenham sido esvaziadas.

Esta é mais uma peça do intrincado puzzle da reforma administrativa que deverá estar lançada até Julho e começa com a reforma das freguesias, mas só terminará no final do ano, com a entrada em vigor da nova lei das finanças locais (LFL). Em Março, o executivo terá de apresentar as propostas de reorganização do sector empresarial local e da reestruturação dos cargos dirigentes, em Junho o quadro geral da LFL e até Julho a nova lei eleitoral autárquica, que deverá contemplar executivos homogéneos.

Extinguir 1500 freguesias

Se nenhuma destas reformas se afigura consensual, aquela em que o executivo poderá ter mais dificuldades, para já, é a das freguesias. Até pela falta de apoio do PS para a fazer. O objectivo é mexer em cerca de duas mil das mais de quatro mil existentes, de modo a que, no final, se consigam extinguir entre 1300 e 1500 freguesias.

A proposta de lei relativa ao novo mapa autárquico - que não irá hoje a Conselho de Ministros, conforme o executivo pretendia - contempla um conjunto de alterações em relação ao Livro Verde, desde logo uma majoração de 15% nas verbas que o Orçamento do Estado transfere para as freguesias que aceitarem fundir-se. Um incentivo que o Governo quer também estender às câmaras municipais que venham a agregar-se. Mas há outras novidades. Na nova versão, as tipologias de áreas urbanas caem, dando lugar a três níveis demográficos, e cada um destes níveis demográficos terá dois segundos critérios: as freguesias que estão dentro da malha urbana e as que estão fora (rurais). Mas o PS, pela voz do vice-presidente da bancada Mota Andrade, diz desconhecer qualquer alteração a nível dos critérios e afirma que até ao momento "não houve nenhum contacto oficial ou oficioso entre os socialistas e o Governo". "Estamos à espera que o Governo nos faça chegar as suas propostas com as alterações feitas", diz, reafirmando que os critérios "feitos a régua e a esquadro" que constavam do Livro Verde "não eram aceitáveis". Para Mota Andrade, o Governo não teve em linha de conta a realidade do território, nem os anseios das populações".

Também a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) tem muitas reticências e discorda, desde logo, da decisão do Governo de "retirar verbas às freguesias que não se agreguem para entregar esse dinheiro, como forma de compensação, às freguesias que decidam agregar-se". Armando Vieira, presidente da associação, salienta que a majoração deveria ser considerada "em sede de reforço do fundo de financiamento de freguesias".

Público