Gangues juvenis. Escalada de violência começou a recuar

Um ano depois do alerta sobre o aumento da criminalidade praticada por grupos de jovens, as autoridades registam um declínio nesta escalada de violência. No podcast Soberania desta semana discutiu-se a Estratégia de Segurança Urbana que o Governo propõe para combater também este fenómeno que tanto alarme público tem provocado.

A Polícia Judiciária (PJ) registou, desde os últimos meses do ano passado, um recuo no número de homicídios (tentados e consumados) praticados por gangues juvenis. Segundo o coordenador superior da PJ, João Oliveira, responsável máximo da Diretoria de Lisboa desta polícia, esta tendência de queda "estabilizou no primeiro trimestre de 2023".

Este dirigente foi um dos convidados desta semana do podcast Soberania, uma parceria DN/Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) - cujo presidente Jorge Bacelar Gouveia é co-moderador - onde se analisou a resposta do governo a um fenómeno que tinha começado a escalar em 2021 e em relação ao qual foi dado o alerta há um ano na reunião do Conselho Superior de Segurança Interna, quando foi apresentado o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI).

Os dados da PJ indicam que os homicídios, tentados e consumados, caíram para metade no segundo semestre de 2022 - de 16 (15 tentados e um consumado) para 8 (seis tentados e dois consumados).

Ainda assim, como frisou João Oliveira, o total destes crimes mais violentos no ano passado, 24, ainda superou em dobro os 11 de 2021. Olhando para 2019, o ano pré-pandemia, o recrudescimento da atividade violenta destes grupos ainda é mais expressiva: apenas sete casos, o que significa, face a 2022 um aumento de mais de 200%.

Também é notória a subida da proporção de homicídios cometidos por jovens, face ao total destes crimes na área da Grande Lisboa. Enquanto em 2019, 2020 e 2021 era de 6,6, 6,7 e 8,2%, respetivamente, e em 2022 passou para 18%.

Depois do alerta dado na reunião do CSSI em março de 2021, as polícias mantiveram a pressão operacional com dezenas de detenções, mas logo se percebeu que era preciso ir ao fundo do problema. Identificar as causas, as motivações e perceber o que estava a funcionar e a falhar na resposta da sociedade e do Estado.

O governo reagiu, primeiro criando a Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e Criminalidade Violenta. Chamou polícias, mas também peritos de outras áreas como Saúde, Educação e Segurança Social.

As recomendações desta comissão, disse o governo na altura, seriam depois integradas numa Estratégia de Segurança Urbana, envolvendo também as autarquias para adotar medidas preventivas e revigorando o já "veterano" conceito de policiamento de proximidade enquadrado nos Contratos Locais de Segurança (CLS).

"Estamos hoje melhor do que estávamos há uns meses", atestou João Oliveira, reportando-se à sua área de ação na Grande Lisboa, zona que já foi identificada como a mais problemática nesta matéria.

"O que posso aqui transmitir é que, durante o ano de 2022, percebemos um crescimento muito intenso deste fenómeno (...) E essa tendência de subida de casos entrou pelo ano de 2022 até ao verão com grande intensidade. A partir de setembro, percebemos que começou a decair e essa redução muito expressiva do número de situações participadas manteve-se estável até ao final do ano. E agora estamos praticamente no final do primeiro trimestre de 2023 e estamos em condições de dizer que esta tendência de estabilização e contenção em baixa do número de casos, mantém-se", afirmou o responsável.

Ao seu lado nesta conversa a secretária de Estado da Administração Interna, Isabel Oneto, a mentora e coordenadora da resposta do governo sorri quando João Oliveira apresentou as possíveis justificações: "Nunca há uma única explicação, mas mudou o olhar. Todos passámos a ter um olhar mais atento, mais empenhado, mais conhecedor no encontrar de respostas universais e holísticas. E há maior produtividade policial naturalmente, mas não é só mérito das polícias, é mérito de um conjunto de entidades que se debruçou com mais intensidade sobre este problema e tudo isto tem desaguado numa redução de casos. Desde logo, no plano da prevenção especial, um conjunto de intervenções policiais que foram feitas, traduzidas inequivocamente em detenções, teve um efeito redutor. Do mesmo passo, do ponto de vista da prevenção geral, isto também teve os seus impactos positivos. Portanto, a explicação é esta, maior proatividade, mas também um esforço real e muito grande de outras entidades que permitiram que neste momento estejamos francamente melhor do que estávamos há um ano atrás".

Para Oneto esta "batalha" está agora a começar. "Preocupa-nos a criminalidade juvenil, porque se trata de ser nossa responsabilidade impedir que os nossos jovens sejam capturados pelos gangues e tenham uma vida normal", assevera.

A secretária de Estado salientou que "dois terços dos jovens com medidas tutelares educativas foram vítimas de abuso, de negligência e de maus-tratos. Já foram vítimas e depois tornam-se agressores".

Por isso, afiançou, "em todo este fenómeno temos de colocar, não apenas as forças de segurança que são o último reduto da resposta - e ela surge muitas vezes no tom repressivo -, mas de chamar as entidades que podem previamente intervir e, de acordo com os estudos da Comissão, intervir cada vez mais cedo".

Os CLS surgem nesta Estratégia de Segurança Urbana como a base no terreno para a identificação dos fatores de risco nas diversas áreas. Um modelo que começou a ser testado, com sucesso, em 2008, no concelho de Loures, mas que depois acabou por proliferar sem uma crucial monitorização de resultados. Dalila Araújo era governadora civil de Lisboa (foi a seguir secretária de Estado da Administração Interna) e recordou que se "verificou a redução da criminalidade participada na ordem dos 10%, o aumento de sentimento de segurança na ordem dos 30%, a redução da conflituosidade entre a comunidade, um aumento do convívio e da socialização".

Porém, a também vice-presidente do OSCOT advertiu que os CLS "são instrumentos" da "política de proximidade". "Primeiro temos de ter uma política de segurança de proximidade e depois sim, fazer os instrumentos operativos que essa política assim o aconselhe. Os territórios são diferentes, os tempos são diferentes e devemos ter essa capacidade de desenhar os CLS ou outros instrumentos em função das realidades", considerou.

A socióloga Maria João Leote, investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e integra, tal como João Oliveira da PJ, a Comissão de Delinquência Juvenil. Fez neste podcast o seu retrato cru sobre a realidade atual da delinquência juvenil, que estuda há mais de 30 anos.

As redes sociais, atesta, são um fator determinante para os comportamentos destes jovens. "Estamos perante as primeiras gerações em que há uma inversão da relação de poder e os estudos nas áreas das ciências de comunicação são muito claros e Portugal é um dos países onde há mais desfasamento entre as competências digitais de pais e famílias e as competências das crianças e dos jovens".

A sua avaliação da resposta da Justiça é feita com base nas centenas de processos que analisa nos tribunais de menores e verifica "um problema sério de arrastamento entre a data da prática dos factos e o tempo da intervenção e da aplicação da medida, sobretudo pela questão da avaliação", dando nota de casos "em que há um período de dois anos entre isso".

Ora, sublinhou, "isto significa que temos adolescentes que vão crescendo num sentimento de impunidade e de não responsabilização, de achar que podem ir crescendo e ir fazendo isto sem que haja uma atuação". Por outro lado, apontou "outro problema que vem da comunidade, que é a sinalização tardia porque tudo se desculpabiliza em termos do que são as práticas dos jovens".

Fonte: Diário de Notícias